Clari Evidências: Um Novo Olhar


Emanuel sempre tentou fugir do comum. Lendo livros pouco conhecidos, assistindo filmes de festivais europeus (tais filmes eram muito difíceis de encontrar) e ouvindo musicas que muitos podiam achar intragáveis, mais ele se sentia bem. Envolvido com Clara há poucas semanas ele já mudará, eram mudanças sutis que o deixavam mais sociável e realçavam a beleza de suas particularidades.


Um dos maiores desafios quando se propõe um relacionamento é passar a um estranho, total poder sobre você. Isso pois em diversos momentos somos dominados pela paixão, pelos ciúmes e claro, pela excitação. Essa que realçada com boas doses de tequila pode deixar o pós-balada inesquecível. Clara já dominava completamente os pensamentos de Emanuel, todos os dias ele sonhava com seus braços, temia vê-los em outros laços. Lembrava sempre de seu sorriso, sua voz, seu cheiro e entristecia em todas as despedidas, mesmo que às duas horas da manhã pelo messenger.

Nessa noite Emanuel está na zona leste da cidade, contando boletos, somando débitos, fazendo a manutenção dos computadores do foto onde trabalha. No mesmo instante em que Clara esta na zona oeste, em uma festa de formatura, com musica boa, bebida a vontade e diversão certa. Ele conhecia o estilo de se divertir de Clara e temia que seu relacionamento tão prematuro não tivesse força o suficiente para fazer com que ela resistisse.

Já se passava da uma hora da manhã quando finalmente ele terminou todo trabalho acumulado por ter apenas dois funcionários na loja. Cansado e mal vestido ele decidiu encontrar sua bela para ter uma noite mais segura, seus instintos eram sempre brandos mais com ela tudo era diferente, ele se sentia selvagem, forte e que precisava ser um pouco mais rude com essa mulher que mesmo mais velha era de uma doce e frágil infantilidade. Sem deixar de ser a brilhante advogado que um dia seria. Assim Emanuel subiu em sua moto (que poderia ser um cavalo branco se vivessem alguns séculos atrás) e partiu rumo ao outro lado da cidade.

No meio do caminho ele foi aos poucos se lembrando dos dias em que ela ia revelar fotos e sempre tinha uma historia para contar. Ele nunca se esqueceu de quando ela chegou com um vestido amarelo, do mesmo amarelo de uma gema de ovo, ele achou interessante como seu rosto ficava bonito em contraste com essa cor, dessa vez ela não sorria, seus olhos vermelhos indicavam choro. Ela não quis falar o motivo de sua tristeza, só contou de uma foto que gostou muito de ter tirado, uma foto da praça próxima de sua casa. Ele viu a foto, era algo bem simples, um banco, a praça com o mato mal cortado e umas arvores. Resolveu modificar um pouco a imagem para deixar a foto mais alegre. Mal sabia ele que meses depois essa foto sempre deixaria Clara mais feliz. E ela mal sabia que ele havia mexido em sua foto.

Chegando à festa Emanuel ligou para Clara que não atendeu, seis ligações depois ele encontrou Laura, uma amiga da Clara e ela o levou para dentro da festa. Todos de social como manda o figurino de uma formatura, entretanto muitos estavam exaltados pelo efeito da bebida, efeito libertador e muitas vezes perigoso. O calor era outro fator marcante, todos suados mais continuavam dançando, emanando energia a todos os lados. Essa mistura do álcool e da temperatura mexeu com Clara, essa foi à primeira coisa que veio na cabeça dele ao ver-la beijando outro cara. Ele poderia gritar, começar uma briga e tirar ela a força dos braços dessa outro cara, mais isso não era de seu feitio. Ele saiu, trombou em Laura sem querer.

- Emanuel o que houve?

Ele deu um típico yellow smile e olhou para trás, Julia viu a cena que segundos antes ele também presenciara, ela balançou a cabeça, colocou a mão sobre o ombro dele, se olharam por segundos, começou a tocar Bad Romance – típica musica de festa atualmente – essa musica não ilustraria bem uma historia de amor, mais os versos “You know that I want and you know that I need you. I want it bad, your bad romance” vieram a calhar nesse momento.

Os dias se passaram e Emanuel ignorou completamente Clara, ela ligava, ele desligava, subia a janela com um “oi, me desculpe”, ele bloqueava, ela mandava recados, ele apagava, ela enviava depoimentos, ele não aceitava. E assim foi durante toda semana. Ele não queria falar sobre o ocorrido, a voz dela já era suficiente para ele perdoar, mais sabia que se isso ocorresse, novos perdões viriam e jamais ele se perdoaria por não manter firme sua mais triste decisão. Essa historia acabou. FIM (assim encerra a visão de Emanuel, desde então seus olhos não se voltaram mais a face de Clara, para não cometer o pecado de se entregar a essa paixão).

Clara se sentia a pior pessoa do mundo, não conseguiu conter seus desejos, não controlou suas ações e não contou que a saudade de seu amado fosse tão forte a ponto de deixá-la sem vontade de sair. Nesse fim de semana ela ficou em casa, esperando que ele ficasse disponível e pudessem conversar, mais isso não aconteceu. Ela recebeu um convite de Laura para ir até sua casa, ela iria gravar uma musica para colocar na internet e precisava de ajuda. Naquela noite chovia, o clima estava muito agradável, o ideal seria estar nos braços de quem se tem carinho garantido. Já nos primeiros acordes, nos primeiros versos, Clara não resistiu, a voz de Laura soara como faca, ela chorou, pensou em tudo que sempre fez de errado e que por ser tão impulsiva nunca tomava as decisões certas. Isso nunca havia lhe incomodado até o dia em que se viu gostando de um estranho, que nem sabia o nome e mesmo assim, por alguns minutos a transformou.


That if I hurt someone else then I'll never see just what we're meant to be!

Quando ouviu esse verso ela percebeu o quanto amava Emanuel. Logo depois a musica acabou, Laura desligou a câmera e a abraçou. Assim que chuva parou Clara se despediu, foi andando pela rua se viu em um sábado à noite, sozinho e triste. Ela não podia culpar ninguém, pois toda a culpa deveria carregar em seus ombros e sozinha, assim como se encontra agora, sentada no velho banco da praça onde sempre sua imagem a animou.

Ela não percebeu mais alguém a observava, a única pessoa que nesse instante poderia a entender. Ele veio, sentou do seu lado, ela ameaçou falar, ele pediu silencio, as lagrimas eram inevitáveis, seu rosto inchado, cabelo mal penteado, tudo indicava que ela também sofria. Ela sofria por ter errado, por não poder se explicar e sentia tanto sua falta. Ele percebeu isso quando ela encostou a cabeça no seu peito, o choro silenciou, às mãos se encontraram e sentiram o bater do coração, um do outro. Emanuel respirou fundo ao ver como essa cena, era tocante, Clara e seu pai juntos, quem sabe assim ela conseguiria absorver um pouco da experiência de alguém mais vivido. Ele se aproximou dos dois e disse:

- Quando você vai me convidar para tomar café?

Clara olhou para sua frente e sorriu, ainda haviam lagrimas em seus olhos, deu um beijo em seu pai e foi com Emanuel, de mãos dadas, se desculpando, se lamentando e contando como sentiu a falta dele. Ele ouviu serenamente, disse que precisava de tempo, precisava ver o que sentia por ela e se valia a pena arriscar um pouco mais. Ele percebeu que se desejasse que Clara fosse um pouco mais centrada, ele deveria também ceder um pouco, não cobrar tanto. Assim são os relacionamentos, dois estranhos que dão liberdade um ao outro e devem aprender a conviver entre beijos, abraços, ciúmes e todo o resto do mundo conspirando, às vezes para o bem e às vezes para o mal, mesmo assim esses estranhos quando juntos, evidenciam que claramente são os melhores amantes.


Foto 01: M. Lapin olhares.com

Foto 02: Tereza Maria www.flickr.com

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