Quinze/oitavos


15/8 - baseada em escolhas reais

      Fernanda Maria estava em ritmo de festa, ela pulava carnaval sem parar, sorria e brincava com todos ao redor. Beijava um, beijava dois e beijava três, porém Fernanda Maria beijava um de cada vez. Ela sonhava em ser bailarina, dançar loucamente, delicadamente e nas pontas do pés, ser sempre uma boa menina. Mal sabia Fernanda Maria, que nesse historia ela não era tão boazinha assim.

Fernanda Maria,
27 anos,
estudando direito,
bailarina desde os 8,
adora vodca com suco de uva,
odeia pessoas efusivas,
mesmo as vezes sendo uma delas,
exagera na bebida,
exagera na dieta,
exagera em tentar ser feliz.
      Valério Inocêncio estava à beira de uma crise de nervos, louco com seu trabalho (que ocupava seu dia, e às vezes até a noite). Ser plantonista no hospital não estava em seus planos quando se formou em administração. Mas a frente de seu setor, às vezes é inevitável ficar até mais tarde, e mais tarde e mais tarde. Na tarefa de ser feliz, Valério Inocêncio era um covarde, não ousava, não se abria, não plantava e não colhia. Estava seco e fechado. Mal sabia Valério Inocêncio que nessa historia ele não seria tão fechado assim. 
Valério Inocêncio,
32 anos,
mestrando em administração hospitalar,
solitário desde os 24,
adora vinhos,
odeia pessoas piadistas,
mesmo as vezes sendo uma delas,
comedido nas roupas,
comedido nas palavras,
comedido nos sentimentos,
comedido em tentar ser feliz.
      Naquele sábado ele (Valério Inocêncio) estava cansado, não que isso não fosse normal, mas ele estava cansado de se sentir cansado. Cansado de reclamar, de fazer manha e sempre dizer: - Não posso sair, vou ficar na cama. Ele decidiu sair, beber com amigos num pub qualquer, que ele nem fez questão de decorar o nome, e nem mesmo o horário que deveria encontrar seus amigos. Ele chegou lá, depois da meia noite, e já não tinha mais ninguém que ele conhecia ali. 

      Esse era o quinto final de semana que ela (Fernanda Maria) estava bebendo freneticamente nas baladas na cidade. Tinha conseguido uma vaga no bale mais disputado do estado e agora seu sonho profissional estava mais próximo do que nunca. Naquele ultimo pub ela havia chegado cedo, era o aquece da próxima balada. Ali tinha cerveja barata e musica boa, coisa melhor não podia existir. Pelo menos ela imaginava isso, até ver ele, de longe chegando, puxou sua melhor amiga (leia-se irmã) pelo braço e sussurrou: - Nunca vi homem mais lindo, olha que combinação perfeita entre a camisa xadrez, seus óculos fundo de garrafa e cabelo na altura do ombro. Quem dera um homem desses olhasse para mim. 

      O barulho das pessoas ao redor estava alto, muita gente num pequeno espaço, de lá pra cá todos se esbarravam e ninguém via ninguém. Exceto ela, que o via de longe, parado e solitário, o único ser humano naquele ambiente que tinha uma mesa vazia no bar. Ela comentou com sua amiga: - Olha que cara lindo, sozinho e bebendo vinho, deve ser famoso e ninguém tem coragem de falar com ele.

      Pois na verdade alguém naquele ambiente tinha sim coragem de falar com ele, a amiga dela foi, conversou, riu, brincou, sorriu e ele se levantou. Veio em sua direção e pela primeira vez se olharam, frente a frente, sorriso a sorriso e o inevitável aconteceu, se beijaram e gostaram, nesse instante algo aconteceu. Entre eles, entre os lábios, entre as horas e seus atos. 
      Logo após essa noite, que eles se encontraram, a vontade de se ver era quase incontrolável, se falavam o dia todo, quase nunca se tocavam, a distancia era tamanha, mesmo assim se apaixonaram, cada dia, um sorriso, cada noite, um afago. Aprenderam um do outro, qualidades e horários, sabiam pouco a pouco, que ser dois era improvável, a vontade que existia, era ser um, inseparável. 

      Quinze dias se passaram, oito vezes já ficaram, o desejo só aumenta, de se ver e se falar. Mesmo com os horários bem apertados, eles tinham tudo cronometrado, de como trocar um oi, do modo de dar bom dia, da forma de falar do almoço e do jeito que o boa noite poderia ser bem dado. E assim eles sabiam, quando um podia estar disponível do outro lado:

7 minutos correndo no transito = um bom dia para sua linda e ela, nem tinha acordado;
2 minutos na garagem dela = um sorriso do bom dia e um beijo enviado;
30 segundos entre as falas da professora dela = uma mensagem a cada intervalo;
1 hora e 26 minutos do almoço = eles falam em disparo;
10 minutos antes do trabalho = ela manda mais um recado;
15 minutos do café = ele lê o seu recado;
1 hora e 12 de intervalo = ela ouve os seus áudios e cantarola de bom grado;
8 minutos antes do mestrado = ele ouviu outro som, que sua bela tem mandado;
4 horas antes do sono = na madrugada, lado a lado;

      E com isso ela exagerava em demonstrar seu afeto, ele comedido como sempre, fingia não estar tão envolvido e temia que ficasse muito encantado, baixasse a guarda e com isso ficasse exposto ao que esses sentimentos podiam lhe causar. Na verdade, bem no fundo, ele sabia, que só tinha a ganhar, mais uma vírgula em sua mente insistia: - Quem sabe? Melhor esperar.

      Fernanda Maria vivia seu melhor momento, os estudos estavam se acertando, depois de muito patinar, finalmente fazia direito, o direito. Conseguia se alegrar até mesmo com as inúmeras leis da constituição. Seu sonho de ganhar dinheiro com seu sonho, também caminhava, os ensaios estavam bem pesados e com a rotina entre estudos e ensaios, não sobrava espaço para nada. Ao mesmo tempo, para Valério Inocêncio estava tudo dando errado, não conseguia cumprir prazos, vivia atrasado, trabalho enfadonho e com plantões cada vez mais constantes, o estudo era um saco, ter que teorizar o que já fazia na pratica era como não acertar uma nota se quer, ao se tocar um violino. O único momento que se permitia sorrir era quando os 30 segundos eram suficientes, os 7, 2, 10, 15 e 8 minutos eram pertinentes e as 4 ou 1 hora de conversa era excelente para ele relaxar, aos poucos foi percebendo, que baixava a guarda, que ela entrava em sua vida e que aos poucos cada um conhecia seu dia a dia. 

E assim foram aos poucos, um pouco de cada dia, se entregando, sem se entregar: 
1/1 - se beijaram e juravam: - vamos nos reencontrar
2/2 - se reencontraram e ficaram: - promete amanhã mais um pouco ficar?
3/3 - ao cinema foram e ela nem mencionou: - esse filme já vi, melhor nem comentar
4/3 - ele logo foi marcando sua presença: - bom dia linha linda, acorda logo, da licença
5/3- ela nem se importou: - bom dia gatão, que bom que de mim você lembrou
6/3- nos intervalos eles queriam se falar: - canta uma musica pra mim - ela pediu em pensar
7/3- mesmo comedido, ele cantou, mostrou um sentimento que nem sabia como encontrar
8/4- e veio certeiro, uma saudade sem fim: - pensei que não lembraria de mim
9/5- esse novo encontro foi sensacional, rock, samba, vinho e beijos: - o sorriso não quer me largar
10/6- outro filme de amor, eles não cansam de se olhar, um brilho muito forte, um beijo a roubar
11/6- outra semana se inicia, ela dança como ninguém, sua inspiração vem de sabe-se quem
12/6- seu cansaço nem é mais reclamação, ela não deixa ele prolongar o sermão
13/6- o próximo encontro seria em breve, mas infelizmente ela esqueceu de algo avisar
14/7- a noite era perfeita. tudo certo, tudo belo, mais ela não foi bem feita
15/8- se viram e foi como não se ver, logo logo todos vão entender

     Na noite que a noite não poderia ter fim, ela esqueceu que era seu grande dia, de estrear como a principal bailarina na apresentação municipal, não se lembrou de convidar, não se lembrou de avisar, não lembrou nem ao menos de suas mensagens olhar. Ele foi, esperou, sorriu e brincou: - ela sempre atrasada, só mais um pouco esperar. E as 4:48 da madrugada ele se cansou, com um solavanco se levantou, partiu com vontade de nunca mais voltar, se magoou e não queria nem pensar. Era a noite só deles, mais a dois, nada se decide a um e ele resolveu não mais esperar. 

     Dois dias se passaram, ela estava feliz por sua estreia e triste por não ter com quem comemorar, ela ria, festejava e sua vodca com suco de uva bebia, mais também não entendia, porque ele sumiu e nem um oi te respondia. Ela não aguentou, engoliu o orgulho e logo perguntou: - O que aconteceu? A magia acabou? Cometi algum erro e não percebi? Só me responde, não deixa assim. 

     Dois dias se passaram, ele estava triste por acreditar, que ela se importaria, que valorizava seu jeito peculiar, que baixando a guarda, não teria medo de se entregar. Ele não queria falar, tinha medo de ser mal interpretado ou parecer muito obcecado, mais não resistiu, e tentando não magoar respondeu: - Não gosto de me abrir, você deve ter percebido. Mas mesmo assim deixei, você entrar, não iria sair gritando toda vez que ultrapassa-se o sinal. Só desejava paz, que tivesse com quem compartilhar seus desejos e angustias. Mas na primeira oportunidade onde eu iria falar, você nem se lembrou de se lembrar.

     E ficaram assim, um defendendo seu modo de ser, um exagerando o querer, outro comedido no ficar. Um entendendo a razão do outro, um querendo consolar o outro, um não abrindo mão do orgulho pelo outro e assim se distanciaram, não terminaram, não queriam deixar de estar, porém os dizeres se acalmaram, o assunto se encerrou e em uma ultima tentativa, um novo encontrou com ela, ele marcou.

     Mas o dia numero dezesseis nem foi tão bom assim, não podemos chamar esse de nono encontro. Eles estavam juntos, sem estar, eles se abraçaram, sem se entregar, eles conversaram, sem se desculpar. Viram um filme, de amor, sem nada comentar, mal se olharam, mal falaram, o mal estar era de estar. Por fim só do filme foi a conversa, bem rápida, com muita pressa. Ele iria para zona norte, ela para zona sul. Deram um longo abraço, sentiram a respiração um do outro, seus lábios não se tocaram, seus corações se  encontraram, era certo o sentimento, era forte o ressentimento. Ele foi, ela também, ele fingiu ser indiferente, ela não fez diferente. A despedida ficou subentendida, um adeus nunca tido, um amor não vivido e um orgulho muito ferido.

     Quando se quer, o querer tem quer vir antes do ser. Fernanda Maria era exagerada, tanto que sua alegria sufocou uma nova jornada. Valério Inocêncio era comedido, tão recluso quee apenas um deslize para ele, era algo corrosivo. Cada um viveu o ser, e no final nenhum deles ganhou o ter. Esse foi o fim, de algo que nem ao menos começou.