Fora de linha

Matheus é um típico bronco. Barba por fazer, cabelo meio despenteado, sisudo por natureza, sempre disposto a falar de futebol e um cervejeiro nato. Ele sempre andou na linha, com uma pontualidade e comprometimento invejável, estava sempre disponível a todos. Todos os dias ele escrevia uma critica para o jornal local, era algo simples, poucos caracteres e muita personalidade, ele era curto e grosso. Gostava de ler textos literários com certa freqüência, preferia os contos as poesias, poesias necessitavam de mais tempo para compreensão e para ele o tempo era muito valioso. Em seu dia ainda olhava umas fotos, dava uma olhada em uns recados, só não gostava daqueles lembretes em papeizinhos amarelos colantes, esses o irritavam. Ainda respondia umas perguntas anônimas, grifava certas frases que o agradavam em um texto e se divertia com uns joguinhos que deixava meio escondidos. Assim levava a vida, entre uma rotina e momentos (raros) espontâneos. Certo dia ele resolveu andar umas horas fora da linha, seria mais como um experimento, uma quebra de sua rotina. Essas foram horas memoráveis, dignas de explanação: Como naquele dia ele não teve tantos compromissos fúteis que consumiam seu tempo, ele foi dormir mais cedo. Consequentemente acordou mais cedo e fez algo que há muito não fazia, tomou café da manhã, com direito a geléia de morango e leite com café quentinho. Saiu de casa mais contente – bem humorado – e cumprimentou seu vizinho, que inclusive nem sabia o nome. Ao ver uma prima distante, ao invés de cruzar a rua como de costume, ele puxou assunto e se despediu depois com três beijinhos. Sentiu um prazer enorme em tirar duvidas dos colegas de trabalho e foi voluntário para uma apresentação da comissão de segurança no trabalho, elaborou gráficos e tabelas e tirou aplausos até de seu chefe – o mais chato que já teve. Voltando para casa comprou uma porção de comida mineira, a qual ele sempre fugia para não engordar e novamente foi dormir cedo. Esqueci de dizer, as horas fora da linha, se tornaram dias e logo em semanas. Vez ou outra ele volta a andar na linha (leia-se rotina), não é algo bom e nem ruim isso. Ele só notou que é preciso dosar o tempo gasto com bobagens. As pessoas deixaram de viver uma vida empírica para viver uma vida dos quase. Quase fiz isso, quase experimentei aquilo, quase sou feliz. Matheus ousou e viu o quanto é bom se desconectar dessa vida meio real, meio fantasiada. Hoje me dia ele acha quando escuta as pessoas cochichando quando ele passa:
- Pra mim ele tomou simpatizol!
- Que nada, ele viu foi passarinho verde...